Um petisco "natural" desidratado passa pela técnica de desidratação - método antigo para preservar alimentos. O processo consiste em eliminar a água do produto pela evaporação. Durante a secagem, a umidade migra do interior para a superfície do produto, de onde evapora para o ambiente. Após a eliminação da água, em tese, o produto não precisa ser armazenado sob refrigeração. Essa não é única técnica existente para retirar a água do alimento e contribuir para o aumento da sua vida útil. No entanto, quando nos referimos aos petiscos desidratados, a principal técnica utilizada é a desidratação por calor, em que a água é retirada sob a forma de vapor.
Todos os alimentos contêm água. As carnes, por exemplo, são compostas por 60 a 70% de água. A redução da água limita o crescimento de microorganismos e outras reações químicas indesejadas. No entanto, para que esses objetivos possam ser concretizados, a desidratação precisa ser desenvolvida de forma correta, observando diversos critérios, sobretudo a qualidade da matéria-prima e as condições de secagem. Além disso, o armazenamento correto também é essencial quando, ao final, se visa um alimento seguro.
Qualidade da matéria-prima
A fim de garantir um produto final de qualidade, faz-se necessário ter insumos com qualidade. Nesse contexto, produtos cárneos, por exemplo, devem ser selecionados de forma rigorosa, em que se deve observar os seguintes aspectos: escolha do fornecedor, higiene do meio de transporte, temperatura na entrega do produto e, claro, seu aspecto físico.
Aos fornecedores deve-se, idealmente, solicitar o laudo de controle microbiológico. Tal laudo é capaz de assegurar a qualidade da matéria-prima no que tange à carga de microrganismos deteriorantes, patogênicos e indicadores de boas práticas de fabricação, como coliformes fecais. Priorizar empresas que passam pelo serviço de inspeção federal, estadual ou municipal é uma forma de ser criterioso na escolha de fornecedores.
Aspectos como higiene do caminhão frigorífico, higiene dos funcionários na realização das entregas, acondicionamento correto e temperatura (não superior a 5º C) devem ser rigorosamente controlados. A recusa de insumos que não atendam a esses critérios faz parte das práticas a serem adotadas quando se visa um produto final seguro e com qualidade.
Observar o aspecto físico dos insumos é uma forma extremamente importante. A inspeção visual pode contribuir para identificar a presença microrganismos deteriorantes, como bactérias, bolores e leveduras. Esses microrganismos, quando presentes, são responsáveis pela modificação das características organolépticas do alimento e pelo comprometimento da qualidade e da segurança do produto final.
Controle microbiológico
Vários são os fatores que contribuem para controlar o crescimento de microrganismos, como o pH, temperatura e o nível de atividade de água. Em relação à temperatura, cada microrganismo tem uma temperatura ideal para sua sobrevivência e multiplicação. Os microrganismos termoresistentes são aqueles que, por exemplo, resistem a temperaturas mais elevadas. Podem, assim, resistir ao processo de desidratação, o que compromete a qualidade e a segurança do produto.
Vale notar que, mesmo que o processo de desidratação ocorra a 70oC, a temperatura interna da matéria-prima não ultrapassará 40oC, dificultando a redução e o controle de microrganismos. A maior parte dos microrganismos de importância para os alimentos se múltipla em uma faixa entre 5oC e 60oC. A maioria dos microrganismos patogênicos multiplica-se em torno de 35oC. Uma desidratação adequada pode destruir leveduras e a maioria das bactérias, mas não destrói esporos e formas vegetativas de bactérias termorresistentes, os quais podem sobreviver ao processo de desidratação. Por essa razão, outros controles relacionados ao processo de secagem são indispensáveis.
O controle da atividade de água (Aa) é importante quando o objetivo é reduzir a carga microbiana. A atividade de água quantifica o grau de ligação da água contida no produto e, consequentemente, sua disponibilidade para agir como solvente e participar de reações químicas, bioquímicas e microbiológicas. Quanto maior a quantidade de água “livre”, maior a disponibilidade para os microrganismos se proliferarem. A redução e o controle da Aa encontram-se entre as propriedades mais importantes para segurança no processamento, na conservação e no armazenamento de alimentos, uma vez que os microrganismos necessitam de água disponível para as suas atividades metabólicas.
A Aa varia de zero a um, sendo que zero corresponde a ausência de água livre. As bactérias, em geral, são mais exigentes que bolores e leveduras, exigindo valores elevados de Aa. Produtos cárneos in natura tem Aa em torno de 0,98. Em temperatura ambiente, ocorre rápida proliferação de microrganismo. Sob refrigeração, prevalecem bactérias aeróbias Gram-negativas, como pseudomonas. Em ambiente de aerobiose predominam Salmonela, Shigella e Escherichia.
A Aa de 0,6 é considerada limitante para o desenvolvimento de microrganismos. Em geral, a umidade final de um produto desidratado costuma situar-se entre 5%, o que permite, em geral, conservação de até um ano. No entanto, quando se trata de produto cárneo, é importante atentar-se ao fato de que o teor de lipídio pode condicionar o processo de secagem do produto e tornar o processo de desidratação não homogêneo. Alimentos corretamente desidratados, com baixo nível de Aa são considerados microbiologicamente estáveis, uma vez que os microrganismos não encontram condições favoráveis para multiplicação.
Os produtos desidratados não são, dessa forma, estéreis. A redução do número de microrganismos como resultado da desidratação é baixa, uma vez que alguns organismos e certas enzimas são termorresistentes. Vale destacar que certos bolores podem crescer em substratos alimentícios com umidade baixa, como 12% e até mesmo, dependendo do microrganismo, 5%. As leveduras e as bactérias requerem níveis mais altos de umidade, ao redor de 30%. Assim, uma desidratação inadequada, rápida, que não tenha permitido o completo processo de secagem poderá provocar uma desidratação incompleta ou não homogênea favorecendo o crescimento de microrganismos.
Mudanças físico-químicas no processo de desidratação
No processo de conservação pelo calor, a matéria-prima passa por diversas mudanças físicas e químicas. Pode haver alteração na textura, na cor, no odor, no sabor. Reações de oxidação de lipídios, reações de escurecimento não enzimático, reações de oxidação das vitaminas e oxidação de pigmentos (reação de Maillard) podem explicar essas alterações que ocorrem na desidratação por calor.
Alterações na textura estão relacionadas ao processo de secagem. Quanto mais seco, ou seja, quanto menor a umidade no produto final, mais dura será a textura. Com teores mais elevados de umidade, a textura é mais macia, e o produto tende a ser mais apetitoso. No caso da carne desidratada, as alterações de textura estão relacionadas à agregação e à desnaturação das proteínas, o que se traduz na diminuição da capacidade de retenção de água.
Uma desidratação bem-feita resultará em um produto mais firme e crocante, com menor umidade, menor propensão a crescimento de microrganismos e com prazo de validade mais longo. Um produto final macio, mesmo que só por dentro, indica uma quantidade residual de umidade, o que cria condições favoráveis para a proliferação de fungos e algumas bactérias.
As alterações de cor ocorrem, em geral, por processos oxidativos decorrentes da temperatura mais elevada. O sabor pode ser afetado pela oxidação lipídica (rancificação) ou pela oxidação de pigmentos. Essas são as principais alterações que a indústria visa a evitar por meio da adição de produtos químicos.
No intuito de controlar essas alterações de cor, sabor e textura muitas empresas recorrem aos aditivos. Esses produtos químicos são adicionados ao produto com a finalidade de tornar a aparência e o sabor mais agradáveis ao consumidor. Existem diversas substâncias, como agentes sulfitantes, que podem ser utilizadas para evitar o escurecimento do produto e garantir a boa apresentação ao consumidor final. No entanto, o recurso a tal pré-tratamento descaracteriza o produto final como sendo 100% natural.
Importante salientar que muitos desses aditivos consistem em coadjuvantes de tecnologia no processo de fabricação e, portanto, não precisam, obrigatoriamente, constar no rótulo do alimento – uma vez que restarão “apenas” traços do produto químico. Entre esses coadjuvantes, destacam-se agentes de controle de microrganismos, de imobilização de enzimas, solventes, entre outros.
A importância do armazenamento adequado
Mesmo que o processo de desidratação tenha sido satisfatório, resultando em baixo nível de atividade de água, no processo de armazenamento podem surgir alterações no produto, como crescimento de microrganismos. Afinal, aspectos extrínsecos ao produto também interferem na qualidade do produto final. Esses parâmetros extrínsecos estão relacionados ao ambiente que cerca o alimento, como temperatura, presença de gases, umidade relativa do ar e irradiação, que podem atuar potencializando as contaminações iniciais. Nesse sentido, o recurso a embalagens adequadas e à correta manipulação do produto são etapas indispensáveis para garantir segurança ao produto final.
Embalagens impermeáveis ao vapor d’água contribuem para o controle do crescimento de microrganismos. A embalagem correta garantirá o nível de atividade de água obtido ao final do processo de desidratação e, consequentemente, o controle das reações enzimáticas, o escurecimento não enzimático e processos de hidrólise. Afinal, o ar ambiente contém umidade, se a embalagem não consistir em barreira, haverá troca entre o ar dentro da embalagem e o ambiente, transferindo umidade e comprometendo o processo de desidratação.
Alimentos com alto teor de lipídio, como os produtos cárneos, são sensíveis a reações de oxidação, o que dificulta o processo de conservação. Nesse caso, a melhor forma de acondicionamento seria a vácuo ou atmosfera modificada com o uso de gás inerte, como o nitrogênio. Não menos importante é o recurso a embalagens com materiais impermeáveis ao oxigênio e opacos, que garantem proteção contra a luz.
A ação conjunta propiciada pelos fatores intrínsecos e extrínsecos com o objetivo de reduzir o efeito prejudicial de microrganismos sobre os alimentos deu origem à teoria dos obstáculos ou dos métodos combinados aplicados a alimentos perecíveis. Existem, dessa forma, diversos artifícios a serem adotados como obstáculo ao crescimento de microrganismos em produtos desidratados. A adoção dessas medidas são imprescindíveis para se ter, ao final, um alimento 100% natural e seguro.
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Bibliografia
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